Política

Plano de golpe: o que se sabe sobre o relato de Marcos do Val

O Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou nesta quinta-feira (02/02) que a Polícia Federal (PF) colha, no prazo de cinco dias, o depoimento do senador Marcos do Val (Podemos-ES), após ele acusar o ex-deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) de incitá-lo a participar de um golpe de Estado durante uma reunião com o então presidente Jair Bolsonaro (PL).

A decisão foi tomada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes e atendeu a um pedido da própria PF.

Do Val deverá depor na condição de testemunha numa investigação aberta para apurar os atos golpistas que culminaram na invasão das sedes dos três Poderes por bolsonaristas radicais em 8 de janeiro.

Marcos do Val (Podemos-ES), senador (Marcos Oliveira/Agência Senado)

Marcos do Val foi eleito em 2018, com 863 mil votos, para um mandato de oito anos. Ele chegou a dizer que renunciaria ao cargo, mas depois voltou atrás. 

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Acusações contra Bolsonaro e Silveira

O caso veio a público após Do Val afirmar em uma transmissão ao vivo nas redes sociais na madrugada da quinta-feira (02/02) que recebeu, em dezembro, um pedido do ex-deputado Silveira para gravar uma conversa com o ministro Moraes para tentar incriminá-lo e anular a eleição presidencial de outubro, perdida por Bolsonaro. Segundo Do Val, o ex-presidente participou da reunião na qual o pedido foi feito.

“Eu ficava puto quando me chamavam de bolsonarista. Vocês me esperem que vou soltar uma bomba. Sexta-feira vai sair na Veja a tentativa de Bolsonaro de me coagir para que eu pudesse dar um golpe de Estado junto com ele, só para vocês terem ideia. E é lógico que eu denunciei”, disse Do Val, em um debate na internet com membros do Movimento Brasil Livre (MBL).

Deputado Daniel Silveira discursa na tribuna da Câmara dos Deputados
Daniel Silveira, ex-deputado federal (Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

Após as revelações, a Veja antecipou a publicação da reportagem exclusiva.

Qual seria o plano

À Veja, o senador relatou que, com o apoio de um grupo muito restrito, Silveira e Bolsonaro teriam elaborado o seguinte plano: alguém de confiança do presidente se aproximaria do ministro Alexandre de Moraes, que também exerce a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), devidamente equipado para gravar as conversas do magistrado com o intuito de captar algo comprometedor que servisse como argumento para prendê-lo.

A prisão de Moraes seria o estopim que levaria a uma série de medidas que provavelmente atirariam o país numa confusão institucional sem precedentes desde a redemocratização. Do Val disse que foi escolhido para levar adiante a trama pelo fato de ter uma relação de mais de dez anos com Moraes e, portanto, estar acima de suspeitas.

Em entrevista à GloboNews, o senador disse que Silveira foi claro sobre o plano: “O nosso objetivo é anular a eleição, manter o presidente no cargo e o ministro Alexandre ser preso'”, teria dito Silveira, segundo Do Val.

Como foi a reunião

Segundo a Veja, a reunião entre Do Val, Silveira e Bolsonaro ocorreu no Palácio da Alvorada em 9 de dezembro e durou cerca de 40 minutos. Mais tarde, à Globonews, o senador disse que o encontro teria ocorrido na Granja do Torto, a residência de campo da Presidência da República. Depois, em nova entrevista à emissora, ele voltou a dizer que havia sido no Palácio da Alvorada.

Naquele mesmo dia, após semanas de silêncio, Bolsonaro fez uma de suas poucas aparições públicas após as eleições para falar com apoiadores. Na ocasião, ele pediu desculpas por eventuais erros e destacou sua ligação com as Forças Armadas, em uma mensagem aparentemente sem sentido para quem havia ficado tanto tempo calado.

“A ideia é que eles colocariam um equipamento de gravação, teria um veículo já próximo ao STF captando o áudio, e eu, nessa reunião com o ministro Alexandre, eu conduzindo, para ele falar que em alguns dos processos dele ele ultrapassou as linhas da Constituição”, explicou o senador nesta quinta à Agência Senado.

Versões sobre a reação de Bolsonaro

Jair Bolsonaro discursa segurando microfone com a mão direita e com a mão esquerda gesticula.
Jair Bolsonaro, ex-Presidente da República (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Na primeira versão de seu relato, em entrevista à Veja, Do Val disse que, na reunião, Bolsonaro conversou sobre os acampamentos mobilizados em apoio a ele. Em seguida, após ser apresentado ao plano, o senador perguntou como este seria colocado em prática.

Segundo a revista, o ex-presidente teria respondido que já tinha acertado com o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) que o órgão – responsável pela segurança do presidente – daria o suporte técnico à operação de gravação fornecendo os equipamentos de espionagem necessários.

Mais tarde, à GloboNews, Do Val retirou a informação e disse que Bolsonaro somente afirmou que não pediria a desmobilização dos acampamentos para não sinalizar a Moraes que estaria envolvido na organização. Nessa versão, teria sido Silveira quem afirmou que o GSI estaria à disposição.

Na mesma entrevista, o senador disse que Bolsonaro indicou concordar com a ideia. Mais tarde, em nova entrevista à emissora, ele retirou a informação: “Bolsonaro ouviu tudo e ficou calado.” Do Val disse, contudo, que o ex-presidente não rejeitou as ideias de Silveira.

Também à GloboNews, Do Val afirmou que Bolsonaro voltou a falar com ele no encontro ao se despedir. “Pensa e depois você me manda a resposta”, teria dito o ex-presidente.

Ao jornal Folha de S.Paulo, o general Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do GSI na gestão Bolsonaro, disse que o envolvimento da pasta no plano de golpe é “mentira”, assim como o da Abin.  “Eu jamais tomei conhecimento de qualquer ação nesse sentido”, disse Heleno, segundo o jornal.

As mensagens obtidas pela Veja mostram Silveira orientando como Do Val deveria chegar ao Palácio da Alvorada, de forma discreta, sem ser percebido. Ele teria sido levado ao local por um carro da segurança do presidente.

Nas mensagens, Silveira reforça a Do Val que apenas cinco pessoas teriam conhecimento do plano – três das quais estavam na reunião. O ex-deputado pede que o senador não comente a ideia com ninguém, nem mesmo com a esposa, e afirma, que, se nada fosse obtido da conversa com Moraes, o material simplesmente seria descartado.

No entanto, se alguma informação comprometedora fosse extraída do ministro, Do Val sairia como um “herói”. Após a reunião, Do Val disse que pensaria no caso e que entraria em contato mais tarde.

Do Val alerta Moraes

Moraes inclui Bolsonaro em inquérito sobre ataques antidemocráticos
Alexandre de Moraes, ministro do STF (Arquivo)

Em uma das versões, o deputado disse ter se reunido com Moraes presencialmente no Supremo Tribunal Federal dias antes do encontro para que o ministro desse a ele detalhes sobre como agir.

Moraes teria dito que ele deveria ir à reunião com Bolsonaro e Silveira para acumular informações. Do Val diz ter ouvido do ministro que “informação sempre é bom”.

Interlocutores do ministro citados pelo portal de notícias G1 disseram que o senador não é amigo de Moraes, e que ele foi recebido em público, no Salão Branco, assim como costuma ocorrer com outros pedidos de audiência. 

Segundo esses interlocutores, o senador teria mais tarde informado o ministro sobre o plano golpista e contado que recusou o pedido de Silveira para grampeá-lo. Moraes perguntou se Do Val prestaria depoimento sobre o caso, mas o senador teria recusado. Assim, o ministro disse que nada poderia fazer.

Mensagens publicadas pela revista Veja confirmam que Do Val entrou em contato com Moraes após a reunião com Silveira e Bolsonaro.

“Boa noite, ministro! Dia emblemático. Aproveito para informar que não vou à Brasília nesta semana. Minha filha está precisando muito da minha presença aqui. Mas precisava falar como foi o encontro com PR [presidente da República] e o DS [Daniel Silveira]. Me pediram uma ação esdrúxula, imoral e até criminal. Não sei como poderia te contextualizar, com segurança. Caso for necessário, posso ir a Brasília para encontrá-lo. Sei que neste momento está muito turbulento em sua missão. Mas conte comigo”, diz uma mensagem enviada por Do Val a Moraes em 12 de dezembro.

Em 14 de dezembro, cinco dias após a reunião com Bolsonaro e Silveira, Do Val e Moraes conversaram pessoalmente em Brasília. À noite, Do Val informou a Silveira que não aceitaria participar do plano.

“Fiz o meu papel de não prevaricar. Fui e comuniquei ao ministro. E me coloquei à disposição como testemunha”, disse Do Val, segundo a Agência Senado.

Moraes confirma conversa

Moraes confirmou nesta sexta-feira o teor da conversa relatada por Do Val. O magistrado falou sobre o caso enquanto participava de um evento da organização empresarial Lide, através de videoconferência. “Ele solicitou uma audiência como outros deputados e senadores, eu o recebi no Salão Branco”, afirmou, ao relatar a conversa com o senador.

O ministro disse que a intenção do grampo seria tirá-lo da presidência dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos que tramitam no STF. Ele disse ter ouvido de Do Val que Bolsonaro e Silveira tiveram “a ideia genial de colocar uma escuta no senador e, a partir dessa gravação, pudessem solicitar minha retirada da presidência dos inquéritos”.

“Foi uma tentativa de uma ‘operação Tabajara’ que mostra exatamente o quão ridículo nós chegamos (sic) na tentativa de um golpe no Brasil”.

Moraes confirmou ter solicitado um depoimento a Do Val, mas disse que senador se recusou a fazê-lo. “Disse que era uma questão de inteligência e não poderia confirmar”, explicou. “Para mim, o que não é oficial, não existe.”

Ele assegurou que a Polícia Federal continuará investigando o caso, assim como os atos golpistas ocorridos em Brasília. “As investigações da PF continuarão e vamos analisar a responsabilidade de todos aqueles que se envolveram na tentativa de golpe. Temos informações adiantadíssimas sobre os financiadores, desde o ano passado”, afirmou.

Prisão de Silveira

Paralelamente às revelações de Do Val, Silveira foi preso nesta quinta-feira pela PF por desrespeitar ordens judiciais. Ele estava em Petrópolis, no Rio de Janeiro, e sua residência foi alvo de busca e apreensão, um dia após o fim do seu mandato parlamentar. Com ele, foram encontrados cerca de R$ 270 mil em dinheiro.

Segundo Moraes, o ex-deputado desrespeitou decisões judiciais ao não usar tornozeleira eletrônica e não pagar uma multa, bem como ao usar as redes sociais, atividade que lhe tinha sido proibida pela Justiça.

Silveira concorreu ao Senado pelo Rio de Janeiro no ano passado, mas perdeu para Romário. Ao ficar sem mandato, perdeu também a imunidade parlamentar na quarta-feira, quando os novos parlamentares tomaram posse no Congresso.

Moraes reestabeleceu a prisão de Silveira, que foi condenado pelo plenário a ​oito anos e ​nove meses de reclusão, em regime inicial fechado, por crimes de ameaça ao Estado Democrático de Direito e coação no curso do processo. Apoiador de Bolsonaro, Silveira havia tido a condenação judicial perdoada pelo ex-presidente.

Moraes também cancelou todos os passaportes de Silveira e proibiu visitas na prisão, salvo de seus advogados. Ele apontou ainda que Silveira danificou o equipamento de monitoração eletrônica que estava sob sua responsabilidade, além de reiterar os ataques comumente proferidos contra o Supremo e o TSE, colocando em dúvida o sistema eletrônico de votação.  

Repercussão

No plenário do Senado, o senador Humberto Costa (PT-PE) disse que as acusações são “de extrema gravidade”.

“O Congresso Nacional deve acompanhar a par e passo. Suponho que o ministro Alexandre de Moraes e o STF devem instalar algum tipo de investigação específica sobre isso. Até porque, se for verdadeira essa informação pelo senador Marcos do Val, há indícios extremamente fortes da participação direta do ex-presidente da República em uma tentativa de golpe”, afirmou.

Por outro lado, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho de Jair Bolsonaro, confirmou que houve a reunião, mas disse que a situação “não configura nenhuma espécie de crime”.

“O senador Marcos do Val já havia me relatado o que tinha acontecido, que isso iriar ser trazido a público, contudo numa linha de que essa reunião, que aconteceu, seria uma tentativa de um parlamentar de demover as pessoas que estavam nesta reunião de fazer algo absolutamente inaceitável, absurdo e ilegal. O que peço aqui, obviamente, é que todos os esclarecimentos sejam feitos. Não digo abertura de inquérito porque a situação narrada não configura nenhuma espécie de crime”, afirmou.

le,rc (Lusa, Agência Senado, ots)

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