Concurso para pesquisador vai preencher apenas 11 dos 487 cargos vagos na Saúde
Associação aponta desmonte da ciência paulista
Um concurso público anunciado pelo governo de São Paulo prevê a contratação de 11 pesquisadores científicos que irão atuar no Instituto Butantan. A quantidade foi criticada pela Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), que afirma existir, atualmente, 487 cargos vagos apenas nos Institutos ligados à Secretaria de Estado da Saúde (SES).

O concurso com poucas vagas ocorre no momento em que o Governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) tenta vender áreas de pesquisa por todo Estado, o que é apontado pela APqC como desmonte da ciência paulista. Na semana passada, a Justiça suspendeu uma audiência pública que tinha objetivo de consultar a comunidade científica sobre o projeto de venda as propriedades.
“A pesquisa pública de base foi o que garantiu ao Brasil, durante a pandemia de covid-19, chegar a uma vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan, uma das instituições que compõem a estrutura científica ligada à Secretaria de Estado de Saúde. Sem investimentos, estamos negligenciando o tempo de reposta para crises que seguem desafiando a sociedade, como dengue, zika, chikungunya, malária, febre amarela, chagas, dentre outras”, afirma Helena Dutra Lutgens, presidente da APqC.
O concurso anunciado não prevê contratação para as demais instituições da Saúde, como o Instituto Adolfo Lutz, Instituto Dante Pazzaneze de Cardiologia, Instituto Lauro de Souza Lima, Instituto Pasteur, Instituto da Saúde, Laboratório de Investigação Médica-LIM (HC-USP) e Sucen, extinta em 2020 e que tem sua estrutura e pesquisadores ligados ao Pasteur.
Salário
Além da escassez de vagas e do risco de perder áreas de pesquisa, a defasagem salarial torna o cenário para reposição de pesquisadores nos Institutos Públicos ainda mais crítico. A remuneração inicial oferecida no concurso para pesquisador científico do Butantan é de R$ 5.037,04, menos da metade do que é oferecido pela Embrapa, que em seu concurso de 2024 estabeleceu vencimentos iniciais de R$ 12.814,61.
“A comparação evidencia o descompasso entre São Paulo e o restante do país quando o assunto é valorizar a ciência. É um processo de desmonte que se arrasta ao longo dos últimos anos e que se acentuou no atual no governo, fazendo com que haja uma fuga de cérebros do Estado mais importante do país”, destaca Lutgens.
Os pesquisadores também enfrentam perda salarial ao longo dos últimos anos. Segundo estudo feito pela APqC, enquanto a inflação atingiu 92,68% entre novembro de 2013 e março de 2025, o salário dos pesquisadores foi reajustado em apenas 20,68%.
Além da falta de pesquisador na área da saúde, as Secretarias de Agricultura e Abastecimento (SAA) e de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil) também enfrentam um apagão de ciência. Na SAA, 448 cargos de pesquisador estão providos, enquanto 746 permanecem vagos. Já na Semil, o número é ainda mais reduzido: apenas 130 pesquisadores em atividade, frente a 152 vagas em aberto.
“Estamos diante de um processo de desmonte silencioso. A ciência paulista resiste, mas sem pesquisadores, laboratórios e condições adequadas, não há como atender às necessidades da população com qualidade e inovação, especialmente diante do cenário de crise climática”, alerta Lutgens.
O problema se estende ainda às carreiras de apoio, fundamentais para o funcionamento diário dos institutos e manutenção das áreas de pesquisa. Na Secretaria da Agricultura, apenas 621 cargos de apoio estão providos, enquanto 3.793 permanecem vagos. Na Saúde, são 282 providos e 1.831 vagos; e na SEMIL, 212 profissionais atuam em meio a um déficit de 1.092 cargos não ocupados.
Atualmente, São Paulo conta com 16 Institutos Públicos de pesquisa. Somando cargos vagos de pesquisador e carreiras de apoio, são mais de oito mil postos vagos no Estado.
“É impossível planejar o futuro da pesquisa pública com esse nível de reposição. Estamos perdendo cérebros, know-how e capacidade instalada que levou décadas para ser construída”, afirma.